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La Niña, Agricultura 4.0 e Irrigação como Mitigação de Risco

  • Por Jess Bollinger e Pedro Barbieri

Esta semana, as atividades desaceleraram apenas o suficiente para nos permitir bater um papo com um de nossos primeiros usuários da Arable no Brasil, Dr. Lineu Rodrigues. O Dr. Rodrigues é um dos maiores especialistas mundiais em irrigação, recursos hídricos e hidrologia. Em novembro de 2020, foi nomeado Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados, que é uma das Unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Essa unidade, com uma área de cerca de 3.000 hectares e 340 funcionários—sendo 98 pesquisadores—tem a missão de gerar e viabilizar soluções por meio de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade do Bioma Cerrado, que representa aproximadamente 25% da área do Brasil. Para os leitores americanos, a Embrapa é uma empresa estatal de pesquisa agrícola, assim como o USDA. A equipe de pesquisa da Embrapa Cerrados é composta por cientistas de diversas áreas do conhecimento. Nos últimos 20 anos, Lineu liderou um importantes trabalhos regionais com foco em hidrologia e irrigação, buscando alternativas para melhorar o manejo de irrigação e reduzir os conflitos por água na região. Jess Bollinger conversou com ele a fim de saber a sua opinião sobre o La Niña e os possíveis impactos sobre a produção agrícola este ano para os produtores de grãos, e as implicações de longo prazo para as tendências climáticas na região.

DR. LINEU RODRIGUES: Na verdade, eu preferiria não falar apenas sobre os efeitos do La Niña, mas enfatizar também as tendências de impacto sobre a produção advindas da variabilidade climática. Quando penso no efeito La Niña, gosto de pensar como se fosse uma forte dor de cabeça, que, no momento que acontece, é terrível, mas depois você toma uma aspirina e no dia seguinte estará bem e vai esquecer. A variabilidade climática, principalmente das precipitações, é uma realidade que o agricultor tem que enfrentar todos os anos. O plantio da soja de sequeiro começa todos os anos no início de novembro. Este ano, aqueles agricultores que dependem apenas da chuva, tiveram que adiar o plantio mais para o fim do mês, quando as chuvas eram mais garantidas. Os produtores que contam com a irrigação não tiveram esse problema.

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Instalação e Configuração do sensor da Arable na URMA/Embrapa Cerrados, Brasil. URMA = Unidade de Referência em Manejo de Água. Foto cortesia do Dr. Lineu Rodrigues.

É importante destacar que nessa região é comum ocorrer no mês de janeiro um período de estiagem (veranico), que pode impactar drasticamente a produção de culturas de sequeiro. O La Niña no Brasil tende a aumentar as chuvas nas regiões Norte e Nordeste e a reduzi-la no Sul. Na região do Cerrado, o impacto deste ano não foi tão drástico. É importante destacar, entretanto, que o mais importante para as lavouras não é a quantidade de chuva, mas como essa chuva é distribuída ao longo do tempo. Por exemplo, se os produtores recebem 150 mm de precipitação em 2-3 dias, isso não ajuda na produção final. É por isso que a irrigação é tão importante: ela tem um efeito de minimizar a variabilidade climática. O La Niña faz com que as pessoas prestem atenção ao problema da água, mas quando o problema acontece não tem muito o que fazer, é importante antecipar os problema. É importante que juntamente com uma política de segurança alimentar esteja atrelada uma política de irrigação. O efeito La Niña é muito mais drástico aos produtores de sequeiro. O Brasil tem apenas 7 milhões de hectares de área irrigada, área um pouco maior que a área irrigada no estado de Nebraska. Precisamos expandir a área irrigada no Brasil para melhor responder à variabilidade climática.

ARABLE LABS: Recentemente, você foi promovido a um novo cargo como Chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados. Você pode nos contar mais sobre o Cerrado, por que ele é importante e alguns dos fatores climáticos que impactam a produção agrícola?

LR: O Cerrado é a região agrícola mais importante do Brasil. Produzimos, por exemplo, cerca de 60% da soja e 94% do algodão no país. Por outro lado, enfrentamos algumas questões ambientais importantes, como, por exemplo, o aumento dos conflitos pela água. Com a tecnologia que possuímos é plenamente possível produzir com sustentabilidade.

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Esquerda: Sensor Arable instalado logo após semeadura da soja na URMA/Embrapa Cerrados, Brasil. Direita: Sensor Arable operando após emergência da soja na URMA/Embrapa Cerrados, Brasil. Foto cortesia do Dr. Lineu Rodrigues.

ARABLE: Você mencionou que sua região enfrenta conflito pela água. Quais são as nuances de política que tornam difícil regulamentar e o que acontecerá no futuro?

DR. RODRIGUES: A política de recursos hídricos é regulamentada pela Lei 9.433. Atualmente, muito poucas bacias hidrográficas cobram pelo uso da água para fins agrícolas. É importante, entretanto, destacar que a ineficiência de alguns sistemas de irrigação não está associada ao fato de não se cobrar pela água. O agricultor ao irrigar considera cada gota de água bombeada devido ao custo de energia, que no Brasil é muito cara. A dificuldade na cobrança está em estabelecer métricas adequadas para um país com as características do Brasil. A tendência, no entanto, é que se cobre pelo uso da água na agricultura.

Os conflitos pela água se acirram em anos muito secos, como este ano, devido ao La Niña. Estamos começando a ter chuvas consistentes agora, mas o Sul do Brasil teve impactos adversos mais intensos, com chuvas insuficientes. Enquanto no Cerrado, isso não afetará realmente a produção de soja, no Sul do Brasil, eles enfrentarão o problema de forma mais intensa porque naquela região predomina a agricultura de sequeiro na cultura da soja. No Cerrado, os agricultores já esperam por esse tipo de variação nas chuvas. Com a irrigação por pivô, os produtores podem obter 80-100 toneladas / ha. Sem irrigação, a média é cerca de 25-30 por cento menos, de 60-75 toneladas / ha (se você tiver um ano de chuvas realmente bom).

Se olharmos para todos os fatores de produção na agricultura, o mais importante é a água. Na minha região, a falta de água é o maior obstáculo para se atingir o potencial de rendimento das culturas. Cada dia, mais agricultores estão preocupados com a eficiência de irrigação. Eles sabem que precisam cada vez mais de equipamentos para gerenciar com eficiência e eficácia o uso da água na irrigação.

Estamos recebendo um número cada vez maior de solicitações de agricultores pedindo ajuda para otimizar a irrigação e definir o uso da água. No futuro, a dependência da irrigação vai aumentar e os desafios serão maiores. A variabilidade do clima é muito forte e tende a se agravar. Com o aumento da adoção da irrigação, a produção é mais certa e as incertezas diminuem. À medida que investimos mais em irrigação, precisaremos pensar mais na capacidade de suporte da bacia hidrográfica.

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Sensor Arable monitorando os campos de soja da URMA/Embrapa Cerrados, Brasil.Foto cortesia do Dr. Lineu Rodrigues.

ARABLE: Você trabalha com muitos agricultores que cultivam várias safras, quais são os maiores e mais imediatos desafios que precisamos enfrentar?

DR. RODRIGUES: No Brasil, existem basicamente dois problemas principais. Falamos muito de “Agricultura 4.0” (internet no campo, satélite e inovações, etc.), mas precisamos chamar a atenção para o primeiro problema enfrentado pelos agricultores e esse é a quantidade de regulamentações que existem. Nossa legislação é tão rígida que torna quase impossível para os agricultores concluir as aprovações regulamentares para estar em conformidade com a lei. Existe um pensamento, errado em minha opinião, que quanto mais se regulamenta, mais se protege o ambiente. Há muita burocracia para os fazendeiros, o que leva o produtor para a ilegalidade e para a ineficiência. Quando morei em Nebraska, comprei um carro, e minha maior surpresa foi a facilidade para emplacar o carro. No Brasil, eu teria que ir a vários lugares para fazer a mesma “coisa”. Precisamos criar um sistema melhor para que os agricultores consigam cumprir os regulamentos legais.

Produtor ilegal é produtor ineficiente. O segundo desafio é tecnologia. Tenho usado o Arable Mark 2 – e é uma ótima tecnologia, mas precisamos de encontrar uma maneira de sermos mais eficientes para transferir tecnologia aos agricultores para que eles possam usá-la com mais eficácia. Pelas pesquisas da Embrapa, ficamos empolgados com a internet, os satélites, a agricultura de precisão, mas é fundamental que todo esse desenvolvimento esteja disponível para o agricultor de uma forma que ele possa usar. Isso é o que mais gostei na Arable: a simplicidade. Às vezes apresentamos muitas informações desnecessárias para o produtor. O produtor precisa de simplicidade e de respostas diretas. Por exemplo, ao definir quando irrigar, ao invés de mostrar gráficos, podemos apresentar a informação como se fosse um semáforo: vermelho (irrigue), amarelo (irrigação próxima), verde (não irrigue). A chave do sucesso no campo é simplificar, sem perder a qualidade.

Jess Bollinger é a Vice-Presidente de Estratégia e Pedro Barbieri é o Gerente Operações Brasil na Arable.

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